“Logo se reconhecerá que o Espiritismo ressalta a cada passo do próprio texto das Escrituras Sagradas. Os Espíritos não vêm, pois, destruir a religião, como alguns o pretendem, mas, ao contrário, vêm confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis.” (O Livro dos Espíritos, questão 1010)

sábado, 14 de janeiro de 2012

O MITO DA CRIAÇÃO - O Primeiro dia


“No princípio Deus criou o céu e a terra.”
“A terra, porém estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo e um vento de Deus pairava sobre as águas.”
“Deus disse: Haja Luz e ouve luz. Deus viu que a Luz era boa e Deus separou a luz e as trevas. – Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. – Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.”

      
(Genesis 1: 1- 5)¹

        
         O primeiro versículo do Gênesis apresenta uma visão geral do que irá acontecer em detalhes a partir do segundo versículo. Nele o redator coloca em evidência a crença monoteísta informando que toda a criação provém do Deus único, criador de todas as coisas: “os céus e a terra” e que corresponde à conclusão de Gênesis 1:6-10.
         O segundo versículo revela as antigas noções mitológicas sobre as águas e a terra. Conhecimentos que os homens desenvolveram pelas observações aparentes da realidade.
          No início a terra “estava vazia e vaga [2], quer dizer, ainda não havia sido criada ou estava em estado de confusão esperando emergir. São os continentes que se elevarão acima das águas dos oceanos, fato que ocorrerá no versículo 9 do Gênesis.
         Os hebreus, assim como todos os povos do oriente médio, principalmente aqueles que ficavam na faixa chamada crescente fértil (a Mesopotâmia e o Egito na África) acreditavam que o mundo era circular como uma rosca e rodeado por águas sem fim, por isso, a tradição Judaica via o universo como um imenso reservatório de água.
         As águas (do hebraico Maim) eram uma espécie de matéria primordial a partir da qual Deus fez surgir toda a criação. Não há uma palavra ou ato criador de Deus com relação às águas, pois elas já existiam.
         Essas águas primevas eram retratadas pelos antigos sumérios [3], uma das fontes de onde beberam os escribas hebreus, como os deuses, Apsu (a água doce) e Tiamat (a água salgada). Foram retirados os nomes politeístas, e feita as devidas adaptações para o monoteísmo ficando a ideia original de um universo aquático.
         Tiamat que era representada como um dragão ou uma grande serpente foi morta pelos outros deuses numa batalha. Ela sobreviveu nas lendas hebraicas do antigo Testamento com o nome de Leviatã, Tanin ou Raab; tornando-se um opositor a Deus e personificando as forças do mal.
         No livro de Jó encontramos uma alusão à batalha travada entre Tiamat e os deuses:

“Por isso, não refrearei a minha língua, falarei com espírito angustiado e queixar-me-ei com a alma amargurada. Acaso sou o Mar ou o Dragão, para que me cerques com guardas?”. (Jó 7: 11-12) -  “Por acaso não és tu aquele que despedaçou Raab, que trespassou o Dragão?”. (Isaías 51:9).“Naquele dia, punirá Iahweh, com sua espada dura, grande e forte, a Leviatã, serpente escorregadia, a Leviatã, serpente tortuosa, e matará o monstro que habita o mar.” (Isaías 27:1).


         Desse modo, “o abismo” eram apenas as águas ou mais precisamente o fundo dos mares, que permaneciam em trevas antes da criação da luz. Vejamos algumas passagens que demonstram ser esse o sentido da palavra abismo:

“Os carros de Faraó e suas tropas, ao mar ele lançou; a elite dos seus cavaleiros, o mar dos Juncos devorou: o abismo os recobriu e caíram fundo como pedra.” (Êxodo 15:4-5) – “Louvai a Iahweh na terra, monstros marinhos e abismos todos.” (Salmo 148:7) – “As águas te viram, ó Deus, as águas te viram e tremeram, e os abismos estremeceram.” (Salmo 77:17) – “Ameaçou o mar dos Juncos, e ele secou, guiou-os sobre os abismos e no deserto.” (Salmo 106:9) – “ Ele disse, e levantou um vento tempestuoso que elevou as ondas do mar; eles subiram ao céu e baixaram ao abismo.” (salmo 107:25-26) – “Iahweh faz tudo o que deseja no céu e sobre a terra, nos mares e nos abismos todos.” (Salmo 135:6) – “diz o Abismo: ’Não está em mim’: responde o Mar: ‘Não está comigo.” (Jó 28:14) – “Não és tu aquele que secou o mar, as águas do grande abismo?” (Isaías 51:10)

         Um vento ou em outras traduções, o Espírito de Deus, pairava sobre as águas. Para o redator, nesse momento inicial da criação, nada existia a não ser água, nem continentes e nem mesmo a luz havia nesse instante, só trevas e água.
          A visão que os antigos hebreus tinham de Deus era muito materializada, colocavam muitos atributos humanos na divindade, desse modo, como os dias da criação se desenvolveriam numa sucessão de dias e de noites, quer dizer, em dias de 24 horas, Deus necessitava de luz para criar então, fez surgir primeiro a luz e assim iluminar o universo aquático, então em trevas. Isso explica a contradição da luz ter sido criada antes do sol, contradição para nós, mas não era para a mente elementar dos antigos hebreus.

“Dizendo que a criação foi feita em seis dias terá Moisés querido falar de dias de 24 horas, ou terá empregado essa palavra no sentido de período, de duração? É mais provável a primeira hipótese, se nos ativermos ao texto acima primeiramente, porque esse é o sentido próprio da palavra hebraica iôm, traduzida por dia. Depois a referência à tarde e à manhã, como limitações de cada um dos seis dias, dá lugar a que se suponha haja ele querido falar de dias comuns. Não se pode conceber qualquer duvida a tal respeito, estando dito no versículo 5: “Ele deu à luz o nome de dia e às trevas o nome de noite”; e da tarde e da manhã se fez o primeiro dia.” Isto, evidentemente, só se pode aplicar ao dia de 24 horas, constituído de períodos de luz e de trevas. Ainda mais preciso se torna o sentido, quando ele diz, no versículo 17 falando do sol, da lua e das estrelas: “Colocou-as no firmamento do céu, para luzirem sobre a terra; para presidirem ao dia e à noite e para separarem a luz das trevas. E da tarde e da manhã se fez o quarto dia.”.  Allan Kardec, Gênese capítulo XII, item 7[4]






Jefferson Moura de Lemos





Referências:

[1] A Bíblia de Jerusalém, 7ª impressão: julho de 1995, Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus. Tradução do texto em língua portuguesa,
diretamente dos originais
[2] No original hebraico “tohû” e “bohû”.
[3] Um dos povos que habitaram a Mesopotâmia, terra natal de Abraão. Mas, na sua época já não existiam como povo sendo substituídos pelos Caldeus que herdaram a sua cultura.   
[4] Kardec, Allan. “A Gênese”. Tradução Guillon Ribeiro, 35ª edição, FEP,1992.

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